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Mostrando postagens de 2017

Feliz 2014

Por dois dias seguidos vi o mesmo boné. No ônibus e na parada do ônibus. Necessariamente nessa ordem. "Feliz 2014!" estava escrito nas costas do boné. Boné que vestia a cabeça de um velhinho. Velhinho que parecia o carteiro que entregava cartas na rua da minha casa, quando eu ainda morava em Recife. Saudades Recife. Lá eu nunca tive o problema com os ônibus que vão "Via Praça". Ai! Como eu tive ódio desses ônibus nessa semana… Todos os que passavam queriam me levar para o Alecrim. Ai! Como tive ódio do Alecrim. Na verdade, tive mais ódio dos ônibus "Via Praça" que nunca praçavam. Só hoje tive vontade de chorar duas vezes. Não pelos ônibus perdidos e não vindos, nem pelo término do namoro (que continua lindo, firme e forte), nem mesmo pela situação política do país, nem pela gordurinha que começa a se acumular em alguma parte ainda não vista pelos meus olhos, mas vistos pelos olhos dessa consciência hipocondríaca, vaidosa e meio desorientada que insiste

Ah, falta de ar...

Voltando da universidade para casa, me percebi sem ar. "Deve ter sido aquele café mais cafeinado que me deixou mais ansiosa", pensei. Passei pelo Departamento de Astronomia, ou de algo parecido. Sempre achei que aquele departamento tivesse cara de astronomia. Fica num terreno elevado, e a pracinha é cheia de pessoas que sempre parecem estar no mundo da lua. Me sinto em casa: sempre gostei do céu. Ao passar pela portaria - antes de chegar noutro departamento para passar por outro departamento e então conseguir sair da universidade - às 19h15 costumo cruzar com o vigia, ou porteiro, ou recepcionista ou vigia-porteiro-recepcionista do departamento. "Boa noite, filha", ele sempre cumprimenta. Passando pelo outro departamento antes de chegar no último departamento para então sair da universidade, encontrei duas pessoas que também estavam sem ar. Mas por um motivo diferente do meu. Nem sei se eram duas pessoas, parecia uma só. Não sei quem estava com mais falta de ar, s

Baila!

Sobre o aprendizado: aprendi que a gente vai sempre aprendendo. No gerúndio mesmo. Com um verbo de ação mesmo. Com repetição mesmo. A gente vai se fazendo, vai se construindo, vai se quebrando e vai se reconstruindo. A gente toma um sorvete pra passar a dor de dente, e deixa de tomar sorvete por causa da dor de garganta. A gente tenta achar uma fórmula para a vida mas, na verdade, a vida é um tubo de ensaio: tudo é experimentação. Estou descobrindo histórias de pessoas comuns. Tempinhos atrás eu gostaria de expor essas vidas incríveis numa tela de TV. Ou num programa de rádio. Ou num post na internet. Ou num instories. Hoje eu só quero guardá-las num potinho. Daqueles coloridos e brilhantes que enfeitam prateleiras. Entendi que pessoas que brilham me dão brilho - e eu sempre gostei de uma purpurina. É feliz ser cintilante. Resplandecente como o sol das 9h da manhã. A madrugada é interessante, de verdade. Mas você já saiu de casa às 8h? É incrível. É luzente. É brilhante. Já saiu de c

Constante

Às vezes lembro das minhas aulas de matemática do ensino médio. Especificamente aulas de geometria espacial e probabilidade e estatística. Nunca achei que a comunicação tivesse tanta matemática como realmente tem. Nem o amor.  David tinha abastecido o carro, e estava tentando descobrir quantos litros tinha dado em um litro. Achei que os engenheiros não precisassem de calculadoras: ledo engano. Outro engano também foi achar que engenheiros sabiam trocar torneira... Não aprendem isso na faculdade!  Nunca gostei dessa raça exata, sabe? Esses seres dotados de capacidades estranhas com números, formas e padrões. Ai que agonia! Mas logo eu, uma aquarela, fui me misturar com essa gente. E descobri que são tragáveis.  Acho que David é excessão, porque nunca entendi como engenheiros podem ser tão calmos. Deve ser porque ele vive no mundo da Lua, cercado por nuvens e aviões. Gente grande, que sonha alto e mora na rua do Ouro. Uma peça brilhante e valiosa no meio da poeira constante da vida.

Carta

Faz tempo que não falo com você. Há alguns dias eu estava em São Paulo, naquela correria que eu sempre estive metida, desde o ensino médio. Essa correria que me acompanha desde os tempos de "boy", como se diz aqui em Natal, entretanto, se intensificou bastante nos últimos meses. Mateus, lembra quando eu chegava na sala de aula de 7h da manhã cantando bom dia para o sol, para as paredes, para as cadeiras e para todo mundo que ainda estava dormindo? Eu não sabia de onde vinha aquela alegria, que mesmo na correria, fazia parte da minha rotina feliz. Acho que talvez fosse por acordar todos os dias com o café já pronto, mesmo escutando dos meus tios que eu deveria acordar mais cedo pra fazer meu próprio café. Pois é, Mateus, hoje em dia estou acordando bem cedo mesmo. Acho que esqueci de contar: consegui o estágio que tava querendo! Mas estou acordando de 4:30h da manhã - e fazendo meu próprio café. Tô longe de casa, você sabe, e de uns tempos pra cá tudo parece pesar mais.  H

Chuvisco e cheiro de chuva

Sexta-feira. Redação de uma TV. Redação da TV. Sexta-feira na redação da TV, e tentativas de finalizar um texto. Uma tarde de pesquisa. Uma hora de filmagem. Dois minutos de texto. Qual o sinônimo? Não consigo terminar. Essa palavra fica melhor aqui, e é melhor tirar aquele último trecho. Dá pra substituir por outra palavra. É bonito. Sexta-feira. Redação de uma TV. Como a gente pode usar essa pauta? Coloca pra algo de arquitetura e urbanismo, coloca poesia: a cidade precisa disso. Coloca pra madrugada, que sempre foi a hora mais bonita, - e você tinha se esquecido disso. Coloca pra a hora que a humanidade dorme, e você acorda pra dar conta do recado. Coloca aquela palavra aqui, pra ficar mais bonito. Não temos personagem: entrevistamos o campo de visão. Dá pra brincar com as palavras, é bonito e preenche a alma. Minha mãe dizia que preenche a alma mas não preenche o bucho. Calma, parece que as coisas sempre se acertam. Parece que sempre fui mais das palavras que do balé, mais das as

Quando dói

Às vezes minhas escolhas doem no peito. Às vezes o coração fica do tamanho de uma ervilha, bem engelhada. O peito aperta, o nariz coriza e levanto a cabeça. Tento ficar perto quando estou longe, mas quando estou perto permaneço longe. É muita coisa, eu sei. É culpa minha, eu sei. Culpa dessa minha mania de querer abraçar o mundo com as pernas, os braços e os dedos. Culpa dessa minha mania de colocar uma coisa na cabeça e lutar até o fim por ela. E dói. Dói aquela dor que faz a gente crescer, ficar mais forte, reconhecer que somos falhos e que nunca podemos estar em três lugares ao mesmo tempo. Fisicamente, podemos em dois - sim, podemos. Mas quando falamos da alma, só podemos estar em um. É por isso que dói: eu não fui feita pra olhar pra o trilho sem admirar a paisagem, sem olhar pra trás e querer ver o detalhe daquela árvore que sumiu com a pressa do trem, sem olhar pra frente buscando o que tem de novo no horizonte. São tantos livros, são tantas vivências: são experiências únicas

Luz e rosa

O direto da minha palavra nunca deveria ter sido cortado do jeito que foi. Floresci e e tiraram meus espinhos antes mesmo de poder furar alguém. O que seria de uma rosa sem seus espinhos? Parece aqueles girassóis sem cheiro. Parece uma manhã sem café. Parece uma pelada jogada com sapatos. Não faz sentido. Bato na mesa, rodo a cadeira, brigo com o computador e fico quieta. Alongo os dedos, preparo o teclado e um chá de camomila. Só olho pra a tela em silêncio: juramento. Fui até a reitoria, pedi um misto quente, caminhei pelo campus e quase pedi pra ser assaltada. Apostas são melhores que promessas. Ficou bom, ficou massa. As suas palavras sempre são aconchegantes. Não sei como você se lembra do brinco azul - eu não lembro nem do sapato. Mas não tive dor de cabeça, juro. E cheguei bem. Mas ainda estou tamborilando dedos na mesa. Eu não deveria ter prometido o silêncio, não é natural de mim. Achei inválido essa troca de palavras por não-palavras. É totalmente injusto. Não gostei.

Perdão por estar

A gente pode construir um mundo novo. A gente se envolve numa vibe de Arctic Monkeys junto com Devendra Banhart. Se reclamarem ainda jogamos a Academia no meio. E a gente vai bebendo café e sorrindo, como sempre. Ou como toda a sexta-feira, quando a alma tá animada e desconcertada ao mesmo tempo. E a gente quer aquele calor da segunda-feira de novo. A gente pode estar cruzando aquela ponte, ou aquele morro, ou aquela via. A gente vai até perto da outra cidade e volta. A gente anda pelos devaneios dos outros e permanece nos nossos, construindo o nosso mundo melhor: azul e amarelo. A gente vai dançando, correndo, lendo, escutando, escrevendo. A gente vai. Nós estamos. A gente se encontra e fica. A gente se afasta e se encontra, se reencontra e se refaz em cada rabo de olho. Nós viajamos, provamos café com gengibre e voltamos. Nós estamos. Ficamos naquela pedra, naquele mar, naquele olhar. Ficamos até por aqueles livros que não são best-sellers e que ninguém quer. Mas que a gente vai r

Nunca pare de escrever

Pois é, Gilma. O fim de semana foi quase todo assim: escrevendo. Maldito dia que tivemos essa conexão literária. Nunca foi de professora-aluna. Sempre foi alma-alma. Eu lembro quando passei pra faculdade de Direito, em João Pessoa. As coisas, como sempre, acontecendo fora do seu tempo, pra mim. A euforia fora de hora, a certeza sem a checagem dos fatos e a ansiedade da idade. Nada deu muito certo no ano seguinte, nem mesmo nossa conversa. Parecia que tudo ia se arrastando num ritmo frenético e os terceiranistas tinham que sobreviver entre as aulas, as aulas e as aulas. Eu ia buscar refúgio na Capela, ou com o Frei Evilásio - que sempre tratava meus dramas como pó de areia: poeira aos olhos de Deus. No final, as coisas se encaixaram mais ou menos bem. Eu sou forte, né? Vez ou outra a gente para e pensa na vida. Busca nosso refúgio. Procura o equilíbrio. Restaura. Revive. Reacende. Ilumina. A gente brilha e irradia o brilho. Pensamos que somos um algo no meio do nada. E aí a gente e

Complementos

Ela olha pra você como quem se vê num espelho distorcido: não sabe se admira ou se afasta. Ela olha pra você com olhos de quem olha pra o fogo: não sabe se esquenta ou se queima. Queima sempre que perto demais. A distorção da imagem surge com o perto ou o longe. Talvez vocês tenham hipermetropia e astigmatismo.  Ele olha pra você como um jovem olha pra um jornal impresso: não sabe por onde começar, nem se vai começar. Cultura, para no meio do caminho. Esporte, para no meio do caminho. Economia, para no meio do caminho. Mas ele vê você como um inteiro, apesar da bagunça bem diagramada.  Vocês são aquela mistura de domingo de manhã com café quente na caneca e três livros espalhados no chão. Vocês são aquela mistura de óculos, palavras e sorrisos bonitos.Vocês são aquele poema de versos livres que ninguém entende, mas que acham interessante. Vocês são aquela mistura de linguagem html com a redação do Tribuna do Norte. Eu nunca saberei juntar vocês dois. No mundo das ideias, talvez

Pobre do poeta que não sente

Hoje eu acordei cedo, não fui pra academia e comi pão de queijo. Tentei dormir antes das 20h pra acordar antes das 5h. Respirei fundo e não consegui ar. Embolei na cama. Lembrei de todas as técnicas de mindfulness e da respiração diafragmática. Respirei fundo e não consegui ar. Relembrei que às vezes é bom chorar, mesmo sem motivo. Chorar por uma dorzinha no meio das costelas, chorar pelos calos nos dedos da mão e do pé, chorar pelo leite derramado (fora do liquidificador). Chorar pelo café queimado, pela roupa não passada e pela juba de leão que aparece sempre que acordo. Ou sempre que não acordo pois não dormi: já se passa das 20h. Não pretendo mais acordar antes das 5h. Acho que vou chorar até por isso. Chorar por medo de qualquer coisa ou por medo de nada. Chorar pra lavar a córnea, chorar pra lubrificar o olho: qualquer motivo serve. Já se passa das 21h e o choro começa a cessar. O nariz começa a entupir - e aí queremos chorar de novo porquê já choramos uma vez. Então lembram

Essa é pra você

O cheiro já é familiar, o abraço enlaça e envolve. A máquina de jornal funciona antes da meia-noite, aquelas ruas são iluminadas de amarelo durante a madrugada, as pessoas jogam dominó na calçada, as pessoas saem para trabalhar quando o sol ainda nem surgiu. Seus olhos pouco abertos, suas mãos quase fechando em nós. Luzes amarelas, luzes azuis, ônibus, música, barulho e silêncio. Silêncio, latidos e embreagem. Amor, o carro quase morreu: vamos trocar de lugar, voltar pra casa e tomar café. Voltar pra casa e receber rosas, voltar pra casa e jantar. Voltar pra casa e voltar pra casa. Voltar um dia, voltar um mês, voltar dois meses. Voltar no parque, na praia, na creperia, no alto da Sé, na quadra, no shopping. A gente sempre volta. Volta na padaria, onde tem aquele sonho que já é bem real.  Tudo permanece: desde os calos dos meus pés até seus olhos bonitos. A gente permanece.