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Mostrando postagens de 2016

Natal, 10 de novembro de 2016

10:14h Em frente à parada de ônibus. Reclamação: estanquei o carro mais de quatro mil vezes em menos de uma hora na autoescola. Deveria existir um prêmio de estanque de carro: eu ganharia. Deveria existir um prêmio para o maior uso de freio de mão no sinal vermelho: ganharia o motorista da Uber que me guiou hoje pela manhã.  Fiz a entrevista. Iniciei os trabalhos. Fui esperar o ônibus. Reclamei da morte do carro. Ou melhor, das mortes do carro. À minha esquerda estava chegando uma senhora gorda de óculos vermelhos. Ela lembrava a senhora que tomava conta de mim quando eu era pequena. "Vocês estão falando de dirigir carro? É ruim mesmo. Mas pior é dirigir caminhão". E continuou: "Na estrada de Tinhanguá, ali saindo do Ceará pra entrar no Piauí, minha filha, já desci aquilo ali. Era freio de pé, freio de mão, freio de motor, freio de tudo pra segurar o caminhão. Eu no volante, meu marido do lado com o menino e a gente se segurando e dizendo "ai minh

Sobre a postura, o tempo e o amor.

Neste exato momento estou colaborando para um futuro problema de coluna. Como se já não bastasse a visão embaçada, os calos nos pés, a rinite insistente e as cólicas mensais, o futuro problema de coluna virá em pouco tempo. Passa da meia noite: tanto em Natal como em São Paulo. Estamos no verão e enquanto aqui chove, lá os relógios são adiantados em uma hora.  Hoje é domingo. Na verdade, segunda-feira - pois já passa da meia noite. O dia não foi produtivo, escorpiões surgiram no banheiro e baratas no corredor. Não gosto dessa época do ano. Também não gosto de hambúrguer frio e de batatas mal fritas: não peçam delivery de comida. Fazer isso é como pedir delivery de café, ou delivery de amor. Não chega a ser quente, nem suficiente. Coloquei meu tênis para vender e está demorando tanto para aparecer um comprador quanto demorou o motoboy para entregar o pedido. Dentre meus poucos problemas, um deles é a ansiedade, e não, não é impaciência: é ansiedade mesmo. Talvez um desejo impaci

Púrpura

Eu deveria estar escrevendo um artigo de opinião sobre os malditos carros de som que os vereadores deste Brasil prezam tanto. Deveria colocar pra fora toda a cinza revolta de uma cidadã que é contra a poluição sonora. Que é  contra estar no shopping passeando e escutar uma música chiclete com números de candidatos cômicos. Que é contra estar em casa numa sexta-feira de manhã e escutar o remix mal feito de um funk incrível. Que é contra a moleza dos sábados de tarde. Fui tomada pela cor púrpura em meio à revolta do cinza. Depois de uma semana como a que passou, não sei como não passei dessa para melhor. Deve ser pelas cores, que sempre salvam. Pelos azulejos, ao invés dos tijolos; pelo sol, ao invés da chuva. Até pelo café, que hoje eu não lembro de ter tomado. Fui tomada, sou energia,  purpurina e púrpura. Fui tomada, bebi café. Talvez faça sentido sentir o gosto amargo. Que combina com silêncio. Que combina com tardes de sábado. Que não combina com sextas-feiras de manhã, pois se

Danúbio

Eu canto, você grita. Eu malho, você corre. Eu mordo, você beija. Eu sol, você chove. Eu choro, você lacrima. Eu coro, você ri. Eu fujo, você chega. Eu não, você si. Eu rogo, você desce. Eu água, você nega. Eu clareio, você reluz. Eu pedra, você quebra. Eu penso, você para. Eu paro, você cala. Eu sento, você deita. Eu me apego, você pega. Eu recuo, você avança. Eu danço, você baila. Eu rimo, você calcula. Eu presto, você nada. Eu rio, você praça. Eu noz, você castanha. Eu sinto, você dança. Eu fico, você fica.

Não se esqueça das flores

Ao sair de casa às oito horas da manhã, pensei apenas em suportar o vento forte de agosto no sol quente de Natal. A mochila nas costas ainda estava leve, sem nenhum peso das compras. Na metade do caminho para o mercado, dentre as muitas olhadas para todos os lados, um lado colorido em meio ao asfalto e às casas neutras me chamou atenção: flores. Lá estava um senhor, singelo e atencioso cuidando de um jardim no meio da avenida. Eu parei  de andar. O terço colorido em minhas mãos parecia se comunicar com aquelas cores. Os carros passavam mas o mundo parecia estagnado, como se Deus tirasse uma fotografia do momento: ntes eu tivesse saído de casa com a câmera. A delicadeza com a qual - num cenário quase inapropriado - o homem cuidava de suas cores foi encantadora. Voltei a caminhar. Fiz as compras, enchi a mochila. Parecia que era feira para um mês, e não para duas semanas. Nessa hora eu estava pensando em suportar o vento forte de agosto no sol quente de Natal. Mas chovia. Esperei. N

Circunstâncias da vida

Quando era pequena nunca entendi o porquê das pessoas se afastarem umas das outras. Eu perguntava à minha mãe sobre seus colegas de escola e ela dizia nunca mais ter os visto. Eu perguntava à minha tia sobre seus colegas de faculdade, ela dizia que tinham perdido contato. Eu perguntava aos meus avós sobre as pessoas que tinham marcado a vida deles, e eles diziam que as circunstâncias da vida os afastaram. Eu passei a odiar as circunstâncias da vida, mesmo sem saber o que essa primeira palavra significava. Cresci. Olhei para trás e percebi que perdi. Perdi a Mariana, o João, a Isabella e a Gabryela. Mas mantive a Rafaela. Perdi a Natália, o Jorge, e até a Alcina. Ganhei o Vitor, a Luanna e outro João. Tentei usar uma balança nesse jogo de perdas e ganhos. Mas pessoas são imensuráveis e particulares o suficiente para serem comparadas. Circunstâncias da vida: num momento sou; noutro, fui. Verbos diferentes para situações diferentes - circunstâncias.  Penso, às vezes, que foi falta de

Voo 3087

Finalmente usei minha mochila nova. Eu estava a ponto de ir na padaria comprar pão só para poder usá-la. Mas não fui à padaria, fui ao aeroporto. Antes de entrar no saguão de embarque tive que passar pelo raio x e abandonar minha mochila. Mas não estou aqui para falar dela, mas de uma senhora bastante comum. Entrei no avião e procurei minha poltrona rezando para que não ficasse espremida entre dois lutadores de MMA. Por sorte, sentei entre uma senhora e um senhor. Inicialmente,  pensei estar separando um casal, mas depois percebi que não estavam juntos. Pois bem, a senhora, que estava na poltrona da janela, tinha um ar de vó. Isso mesmo, um ar de vó. Antes da decolagem, pegou seu terço cor de rosa e começou a rezar baixinho. Não vou negar: achei que fosse daquelas católicas chatas que reclamariam da minha calça de fundo baixo e rasgada. O avião se estabilizou no ar, e a senhora do meu lado esquerdo me perguntou se teria algum jeito de usar o celular para ficar jogando. Isso mesmo,

Chá-mate

De todos os meus amores você foi um chá-mate gelado e com quarenta e cinco gotas de limão. Foi feito para ser tomado com pão quente e queijo frio, num começo de madrugada. Quase tem gosto de cigarro e não se deixa esquentar. De todos os meus amores, depois de meia caneca se tornou amargo. Não amargo como café - esse amor que sempre volta e está sempre quente. Mas um amor frio, que trava de pouco em pouco, e que tem um gosto inconfundível. Tem a mesma tonalidade do café, mas nunca poderá se comparar: o café é para tudo, menos para dormir. Você é para nada, só para acordar.  De todos os meus amores nenhum me deixa mais satisfeita e com dores de garganta pela frieza. Apesar de preferir sorvete, vez ou outra me vejo voltando para o preto retinto, gelado e meio amargo. Quase como chocolate, mas muito menos cremoso. De todos os meus amores, o mais incrédulo - e talvez o mais saudável. 

Luz dos olhos

Como de costume, meu quarto está uma bagunça. Além de toalhas, roupas, bolsas, tênis e livros, também tem muita poeira. Ultimamente a trilha sonora desse espaço de vinte metros quadrados, desarrumado e empoeirado, são os álbuns de Nando Reis e Cássia Eller - na playlist do Spotify mesmo. Parece que em cada música uma parte sua é ressaltada.  Guardei, sem ter porquê, ou coisa outra qualquer, a lembrança do seu perfil numa tarde ensolarada. Amarela. Gosto desse tom de fim de tarde. Se bem que também poderíamos passar um começo de manhã juntos: todo intervalo é lindo. Deveríamos ter aproveitado eles com mais proximidade quando no Colégio. Hoje nem o nosso setor é o mesmo. E não acredito que começou a propaganda no aplicativo de música.  A vibe de Nando Reis permanece, assim como permanece o nosso elo. Espero que o tempo passe, espero que a semana acabe, pra que eu possa te ver de novo. E você me ver de novo com as mesmas olheiras e o mesmo cabelo desarrumado. Mas acho que você nem pe

Sim

Poderíamos sentar em algum lugar que tivesse uma boa vista da cidade. Talvez um lugar alto, se você não tiver medo de altura. Poderíamos tomar um suco, se você não gostar de café. Não, nunca fui de cerveja. Poderíamos dividir um par de fones de ouvido escutando Henri Salvador, ou mesmo a Banda Mais Bonita da Cidade.  Poderíamos conversar por horas e poderíamos ir até o amanhecer conversando. Por isso que eu prefiro tomar café. Nossos assuntos seriam variados, como em toda conversa nossa. Somos aquele tipo de pessoa que fala sobre tudo, sem pudor. Somos do tipo que às vezes nem precisa abrir a boca pra conversar. Poderíamos até passar o final da tarde em silêncio, só nos observando. Acho que esse também é um jeito de nos conhecermos melhor. Você é daqueles que transpira poesia. Mas poesia de um jeito mais italiano e menos francês. Você é massa, como pizza. Espaçoso e aconchegante. Poderíamos ser viajantes, apesar de já sermos viajados demais. Poderíamos sair andando, mas com certez

Azia

Olhei para cada canto da sala. Nada me remetia a um bem estar. A sala era, verdadeiramente, uma sala de estar. Mas eu nem estava nela. Estava noutro canto;  noutra cidade. Eu não estava nem em mim, nem no outro. Estava nas gotas de chuva: por aqui e por aí. Pensei comidas saudáveis, pensei em fast food, pensei até numa trufa. Trufas são gostosas. Mas não o suficiente para estarem no momento. Essa chuva lá fora só piora o sentimento de inconformidade. Chuva não combina com a manhã. Nem com a tarde. Nem com a noite. Apenas com as madrugadas. E apenas se forem madrugadas sonolentas, sem cafeína nem música. Com sala de estar, apenas. E estando na sala com trufas e fast foods e comidas saudáveis. Tudo o que complete. Chuva causa azia, desconforto, incompreensão. Nunca gostei de dias cinzas.  Se por acaso me acharem, me avisem. Me perdi no meio do caminho. Fiquei olhando por um tempo longo demais para as flores coloridas e abraçando árvores. Acho que me perdi e não sei estar. Sei ser.

Cinza, poeira e chuva

Quase não acordou. Na verdade, quase não dormiu. Nunca gostou de chuva - isso é um fato. Sempre acreditou que lavar a alma deve ser com sol, suor e mar. Vento batendo no rosto, e não chiando pelas frestas da janela como um fantasma num dia de chuva cinzento. Vento soprando maresia. O reflexo da manhã foi cinza, apesar de cinza nunca combinar com manhã. Nem com a tarde. Nem com a noite. Nem com nada. Cinza é uma mistura indecisa que não escolhe nem branco nem preto. Nem preto e branco. O reflexo da manhã também teve poeira. Ainda que a manhã combine com poeira, tinha poeira mais que o suficiente espalhada pelo chão. Chuva do lado de fora da janela e chuva do lado de dentro da janela. Sol preso no vidro da janela. O café não prestou. Tinha gosto de papel. Papel que amarga, pulso que pulsa, coração que bate, café ruim. Nunca gostou desses dias cinzas. Sempre foi cor, e explosão de cor. Mais colorida que um arco-íris, mais leve que a poeira, mais barulhenta que uma tempestade. Espaços

Das palavras

Despertador, travesseiro, lençol, banheiro, toalha, creme, roupa. Prato, fruta, grãos, fogo, água, caneca, queijo, ovo, pão, café. Prato, caneca, detergente, água, pia. Banheiro, escova, boca, toalha. Meia, tênis, luva, haltere. Um, dois,  três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze, descanso. Repetições. Música, dor, cansaço, abdominal. Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze, treze, quatorze, quinze, dezesseis, dezessete, dezoito, dezenove, vinte, descanso. Repetições. Banho, roupa. Prato, fruta, chuva, detergente, chuva, pano. Livro, marcador, caneta, caderno, celular, mensagem, livro, caneta, chuva, você. 

Maldito seja o coador de café e maldita seja a falta de dose daquela que o bebe. O coador não funcionou. A bebedora não acertou. A dose foi exagerada e no fundo da caneca jaz o pó. Preto como a noite, amargo como o carvão: insignificante e desprezível.  Pior que isso só o pó da tapioca mal feita na frigideira antiaderente. "Passe um pano que sai". Sai da frigideira e vai para o pano, do pano vai para o chão, no chão continua pó. As boas línguas ainda ousam usar a desculpa do aspirador: aspirante de quê? Pó. Nada mais que isso.  Interessante, entretanto, é saber que sem o pó não haveria café. Sem o pó não haveria tapioca. Sem o pó o aspirador não teria função. Mas sem o pó também não existiria falta de dose daquela que bebe o café. Culpa de quem? Não é da presidenta, nem das estrelas. Culpa da bebedora mesmo, que erra na dose do pó do café. 

Da pessoa confusa

Como falar que quero nossas mãos novamente juntas, nossos corações se completando nos abraços e nossos olhares cruzados? Como dizer que permanecemos ligados por um mesmo ideal, por um mesmo desejo, por uma mesma história? Nem de longe conseguimos ficar definitivamente longe. O problema é que também é que nem de perto conseguimos ficar definitivamente perto.  Ainda não entendo nosso problema. Não sei se é coisa de gente parecida demais ou diferentes demais. Nesses últimos dias descobri que independentemente do que seja, haverá filósofos para explicar qualquer teoria. O problema é que precisamos saber qual a nossa teoria.  É horrível te encontrar assim nos desencantos. Naqueles momentos que a razão pesa mais que os sentimentos - sejam eles os mais confusos possíveis. Acredite, você até pode admitir tudo como certo e concreto, mas não vou acreditar. Também não vou admitir algo como certo e concreto: vivo pelas palavras mas sou sentimento, e sentimento certo e concreto. O problema é

Abraço

Tem dias que eu não estou para nada. Tem dias que tu estás para tudo. Tem dias que ele sonha com ela. Tem dias que ela nem sonha com ele. Tem dias que parece que tudo não pode piorar, e até pode piorar. Ou até pode melhorar... Aprendi que tudo o que aprendi pode não servir para nada - e pode inclusive servir para alguma coisa. Contraditório? Talvez. E isso é porque tu não estás na minha cabeça: estás para tudo. Nunca pensei que pudesse me perder nos outros: essa história de se desgastar nas pessoas nunca foi para mim. Pelo contrário: sempre me achei nas pessoas, como se elas fosse pedaços de tudo o que eu fui e do que eu poderia ter sido. Cada encontro era como escrever um palimpsesto e o sorriso tomava conta do rosto como uma virose toma conta de um corpo: era até contagioso. Mas nesse dia eu não estava para nada - e me perdia nos outros. Tem dias que parece que tudo não pode piorar - e melhora. Tem dias que tu estás para tudo e compartilhas o teu tudo com quem está para nada. Po

Silêncio

Aqui está tão silencioso que quase consigo escutar as batidas do meu coração. Os carros passam na rua ao lado. Espero que estejam a caminho de casa. Sim, casa mesmo: aquela "de verdade". Não é moradia, não é dormitório, não é restaurante ou qualquer outro lugar. É casa mesmo: aquele espaço que não precisa ser só seu, nem só meu. Aquele espaço que pode ser nosso e que sim, pode ter uma cozinha compartilhada. Quando somos crianças talvez nossa casa seja nossa mãe. Não, não estou falando de bebês: estou falando de criança mesmo. Aquelas crianças "de verdade" - que hoje em dia nem sei se existem mais. Aqueles projetos de gente grande que se cair abre a boca e sai correndo pra casa. Sim, aquele espaço que eu falei antes. Quando crescemos perdemos nossas casas. Plural sim: vamos nos integrando em várias casas. Perdendo umas, ganhando outras... As mudanças são trabalhosas, sempre. Mas valem a pena: aquela ultima gaveta do guarda roupa que há muito tempo não era aberta