Pular para o conteúdo principal

Feliz 2014

Por dois dias seguidos vi o mesmo boné. No ônibus e na parada do ônibus. Necessariamente nessa ordem. "Feliz 2014!" estava escrito nas costas do boné. Boné que vestia a cabeça de um velhinho. Velhinho que parecia o carteiro que entregava cartas na rua da minha casa, quando eu ainda morava em Recife. Saudades Recife. Lá eu nunca tive o problema com os ônibus que vão "Via Praça". Ai! Como eu tive ódio desses ônibus nessa semana… Todos os que passavam queriam me levar para o Alecrim. Ai! Como tive ódio do Alecrim. Na verdade, tive mais ódio dos ônibus "Via Praça" que nunca praçavam.

Só hoje tive vontade de chorar duas vezes. Não pelos ônibus perdidos e não vindos, nem pelo término do namoro (que continua lindo, firme e forte), nem mesmo pela situação política do país, nem pela gordurinha que começa a se acumular em alguma parte ainda não vista pelos meus olhos, mas vistos pelos olhos dessa consciência hipocondríaca, vaidosa e meio desorientada que insiste em achar que, em um único dia, é errado comer um sanduíche, uma lasanha e três fatias de pizza. Deve ser. Não sei. Sei lá. Deve ser tensão pré-menstrual. Isso é real! Deve ser. Não sei.

Não sei também onde eu estava em 2014. Mais precisamente em dezembro de 2014. Deveria estar saindo do segundo ano do ensino médio, me preparando psicologicamente para entrar no ano que definiria se eu iria ou não entrar na universidade. Grande coisa, né? Para alguns essa é a maior coisa. Até chegarem lá. Depois descobrem que a vida não é fácil, que fica cada vez mais difícil acordar cedo e lidar com as pressões: se forma quando? Já tá namorando? Vai sair casamento… E o emprego?

2014 foi um ano bom. Viver murada nos muros do colégio e pensar que poderia pintar todas as calçadas de azul, rosa e amarelo, só pra deixar o mundo mais feliz. Eu mal sabia do seguinte: mesmo pintadas de purpurina, a rotina tornaria as calçadas cinzas, o céu cinza, as pessoas cinzas. Como se perder o ônibus fosse mais importante que reparar no boné do velhinho que parecia com o carteiro que entregava cartas na rua de casa. Os detalhes sempre são importantes, e nunca deveriam passar em cinza. Mesmo que o ônibus “Via Praça” não passe. Feliz 2014. E feliz 2018. E feliz tantos outros anos que a gente quer que acabe logo quando chega em dezembro. Esperando a próxima felicidade. Como se ela fosse um ônibus. Via Praça.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Constante

Às vezes lembro das minhas aulas de matemática do ensino médio. Especificamente aulas de geometria espacial e probabilidade e estatística. Nunca achei que a comunicação tivesse tanta matemática como realmente tem. Nem o amor.  David tinha abastecido o carro, e estava tentando descobrir quantos litros tinha dado em um litro. Achei que os engenheiros não precisassem de calculadoras: ledo engano. Outro engano também foi achar que engenheiros sabiam trocar torneira... Não aprendem isso na faculdade!  Nunca gostei dessa raça exata, sabe? Esses seres dotados de capacidades estranhas com números, formas e padrões. Ai que agonia! Mas logo eu, uma aquarela, fui me misturar com essa gente. E descobri que são tragáveis.  Acho que David é excessão, porque nunca entendi como engenheiros podem ser tão calmos. Deve ser porque ele vive no mundo da Lua, cercado por nuvens e aviões. Gente grande, que sonha alto e mora na rua do Ouro. Uma peça brilhante e valiosa no meio da poeira constante da vida.

Perdão por estar

A gente pode construir um mundo novo. A gente se envolve numa vibe de Arctic Monkeys junto com Devendra Banhart. Se reclamarem ainda jogamos a Academia no meio. E a gente vai bebendo café e sorrindo, como sempre. Ou como toda a sexta-feira, quando a alma tá animada e desconcertada ao mesmo tempo. E a gente quer aquele calor da segunda-feira de novo. A gente pode estar cruzando aquela ponte, ou aquele morro, ou aquela via. A gente vai até perto da outra cidade e volta. A gente anda pelos devaneios dos outros e permanece nos nossos, construindo o nosso mundo melhor: azul e amarelo. A gente vai dançando, correndo, lendo, escutando, escrevendo. A gente vai. Nós estamos. A gente se encontra e fica. A gente se afasta e se encontra, se reencontra e se refaz em cada rabo de olho. Nós viajamos, provamos café com gengibre e voltamos. Nós estamos. Ficamos naquela pedra, naquele mar, naquele olhar. Ficamos até por aqueles livros que não são best-sellers e que ninguém quer. Mas que a gente vai r