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Chuvisco e cheiro de chuva

Sexta-feira. Redação de uma TV. Redação da TV. Sexta-feira na redação da TV, e tentativas de finalizar um texto. Uma tarde de pesquisa. Uma hora de filmagem. Dois minutos de texto. Qual o sinônimo? Não consigo terminar. Essa palavra fica melhor aqui, e é melhor tirar aquele último trecho. Dá pra substituir por outra palavra. É bonito.
Sexta-feira. Redação de uma TV. Como a gente pode usar essa pauta? Coloca pra algo de arquitetura e urbanismo, coloca poesia: a cidade precisa disso. Coloca pra madrugada, que sempre foi a hora mais bonita, - e você tinha se esquecido disso. Coloca pra a hora que a humanidade dorme, e você acorda pra dar conta do recado. Coloca aquela palavra aqui, pra ficar mais bonito.
Não temos personagem: entrevistamos o campo de visão. Dá pra brincar com as palavras, é bonito e preenche a alma. Minha mãe dizia que preenche a alma mas não preenche o bucho. Calma, parece que as coisas sempre se acertam. Parece que sempre fui mais das palavras que do balé, mais das asas e do café. Sempre com rimas. Meus professores diziam pra evitar isso, evitar algumas palavras, voar menos, tomar água. Mas sempre me identifiquei com quem brincava com as letras, os tons, as cores e os sons. Pareciam ter mais sabor de vida.
Nessa mistura sinestésica, comecei a conviver com gente que só voltava pra casa embreagado de energia, vivo pela morte do sol e morto de amores pela vida. Percebi que o mundo joga diversos jogos, e descobri que quem se joga na poesia nunca perde - às vezes morre, mas morre morte de vida eterna, de quem se eterniza através de palavras que não podem ser queimadas, pois já são fogo. E esse fogo a gente carrega inflamado, queimando quem chega junto. É bonito. Às vezes doloroso, mas é bonito.

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