Pular para o conteúdo principal

Ah, falta de ar...

Voltando da universidade para casa, me percebi sem ar. "Deve ter sido aquele café mais cafeinado que me deixou mais ansiosa", pensei. Passei pelo Departamento de Astronomia, ou de algo parecido. Sempre achei que aquele departamento tivesse cara de astronomia. Fica num terreno elevado, e a pracinha é cheia de pessoas que sempre parecem estar no mundo da lua. Me sinto em casa: sempre gostei do céu.
Ao passar pela portaria - antes de chegar noutro departamento para passar por outro departamento e então conseguir sair da universidade - às 19h15 costumo cruzar com o vigia, ou porteiro, ou recepcionista ou vigia-porteiro-recepcionista do departamento. "Boa noite, filha", ele sempre cumprimenta.
Passando pelo outro departamento antes de chegar no último departamento para então sair da universidade, encontrei duas pessoas que também estavam sem ar. Mas por um motivo diferente do meu. Nem sei se eram duas pessoas, parecia uma só. Não sei quem estava com mais falta de ar, se eu, a menina ou o menino. Segui meu caminho com minha própria falta de ar. Encontrei uma senhora entre o último departamento e a saída da universidade. Ela estava meio escondida, com medo de ser assaltada na maldita parada dessa bendita cidade - que tem 30 santos, mas zero segurança. Ela não estava com falta de ar, apesar de um pouco nervosa com o mato e o escuro.
Ainda que sem muita luz, eu gosto de andar a pé. Apesar da falta de ar. Apesar da falta de segurança. A gente descobre gente que nem a gente, que tem tesão e medo da vida. E a gente descobre que as coisas são assim mesmo, uma mistura de pé na frente e outro atrás, fazendo a gente caminhar e descobrir coisas que a gente sempre viu, mas nunca sentiu.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Voo 3087

Finalmente usei minha mochila nova. Eu estava a ponto de ir na padaria comprar pão só para poder usá-la. Mas não fui à padaria, fui ao aeroporto. Antes de entrar no saguão de embarque tive que passar pelo raio x e abandonar minha mochila. Mas não estou aqui para falar dela, mas de uma senhora bastante comum. Entrei no avião e procurei minha poltrona rezando para que não ficasse espremida entre dois lutadores de MMA. Por sorte, sentei entre uma senhora e um senhor. Inicialmente,  pensei estar separando um casal, mas depois percebi que não estavam juntos. Pois bem, a senhora, que estava na poltrona da janela, tinha um ar de vó. Isso mesmo, um ar de vó. Antes da decolagem, pegou seu terço cor de rosa e começou a rezar baixinho. Não vou negar: achei que fosse daquelas católicas chatas que reclamariam da minha calça de fundo baixo e rasgada. O avião se estabilizou no ar, e a senhora do meu lado esquerdo me perguntou se teria algum jeito de usar o celular para ficar jogando. Isso mesmo,

Impunidade

Desperdiçam-se vidas. A morte é tolerada como mais um detalhe na grande malha colorida do carnaval. Na festa que tudo permite, as perdas são banalizadas, e os ganhos são contabilizados por beijos ou transas. A saúde se fantasia com preservativos; fronteiras entre a brincadeira e a seriedade são violadas, gerando a fragmentação dos valores éticos e sociais. Após quatorze anos de espera por um rim, uma mãe de família é privada de recebê-lo. E a causa não é a falta do órgão, mas de médicos dispostos a perderem um desfile das escolas de samba em troca de uma vida. Chamem os justiceiros. A moral foi mais uma vez corrompida. Todavia, os malfeitores não são ladrões de sucos ou de carteiras, são frequentadores de universidades, componentes da alta classe da sociedade brasileira. Os cidadãos se dizem cansados com a falta de respeito do governo. Na tentativa de curar um câncer político, mutilam órgãos e células que não passam de vítimas da doença há muito impregnada no corpo social. Os cér

Os males existem para algum bem

Nada é, inteiramente, ruim: em um mesmo caso dois lados podem ser observados. Muitas vezes, porém, a maldade é mantida como versão exclusiva. Dessa forma, acontecimentos são julgados pelos seus desdobramentos, e não pelas suas causas. Assim, a focalização das tragédias é feita na essência: o drama. Quantas vezes sabe-se de uma enchente que prejudicou o abastecimento elétrico de uma região e o primeiro pensamento foi acerca das perdas decorrentes disso? Ou algo mais devastador: quantas vezes se observa um atentado terrorista e julga-se, instantaneamente, como um ato incomparavelmente absurdo? Todavia, deve existir outro modo de pensar. As empresas especializadas no aluguel de geradores claramente se beneficiaram com a situação; do mesmo modo que fundamentalistas comemoraram por terem defendido o nome e a imagem de seu Profeta. É sabido que nenhum ato mortal é justificável. Com base nisso, pode-se dizer que alguns limites são necessários e a tolerância deve ser fundamental. Dessa fo