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Cinza, poeira e chuva

Quase não acordou. Na verdade, quase não dormiu. Nunca gostou de chuva - isso é um fato. Sempre acreditou que lavar a alma deve ser com sol, suor e mar. Vento batendo no rosto, e não chiando pelas frestas da janela como um fantasma num dia de chuva cinzento. Vento soprando maresia.
O reflexo da manhã foi cinza, apesar de cinza nunca combinar com manhã. Nem com a tarde. Nem com a noite. Nem com nada. Cinza é uma mistura indecisa que não escolhe nem branco nem preto. Nem preto e branco. O reflexo da manhã também teve poeira. Ainda que a manhã combine com poeira, tinha poeira mais que o suficiente espalhada pelo chão. Chuva do lado de fora da janela e chuva do lado de dentro da janela. Sol preso no vidro da janela.
O café não prestou. Tinha gosto de papel. Papel que amarga, pulso que pulsa, coração que bate, café ruim. Nunca gostou desses dias cinzas. Sempre foi cor, e explosão de cor. Mais colorida que um arco-íris, mais leve que a poeira, mais barulhenta que uma tempestade. Espaçosa como o vento, a luz, a água e o pó.

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