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Natal, 10 de novembro de 2016

10:14h

Em frente à parada de ônibus.

Reclamação: estanquei o carro mais de quatro mil vezes em menos de uma hora na autoescola.

Deveria existir um prêmio de estanque de carro: eu ganharia. Deveria existir um prêmio para o maior uso de freio de mão no sinal vermelho: ganharia o motorista da Uber que me guiou hoje pela manhã. 
Fiz a entrevista. Iniciei os trabalhos. Fui esperar o ônibus. Reclamei da morte do carro. Ou melhor, das mortes do carro. À minha esquerda estava chegando uma senhora gorda de óculos vermelhos. Ela lembrava a senhora que tomava conta de mim quando eu era pequena. "Vocês estão falando de dirigir carro? É ruim mesmo. Mas pior é dirigir caminhão". E continuou:

"Na estrada de Tinhanguá, ali saindo do Ceará pra entrar no Piauí, minha filha, já desci aquilo ali. Era freio de pé, freio de mão, freio de motor, freio de tudo pra segurar o caminhão. Eu no volante, meu marido do lado com o menino e a gente se segurando e dizendo "ai minha Nossa Senhora, segura". Aquilo ali é ruim demais. E pra subir? Uma hora e dez que eu contei no relógio. Uma hora e dez subindo sem parar. Vez ou outra o menino queria comer e a gente tinha que parar o caminhão. Ali era como uma casa, a gente tinha de tudo. Na estrada só dava eu, menos de noite. Ali eu não ia não. Na estrada tem muito acidente, a gente vê de tudo e precisa continuar porque a entrega da carga tem prazo".

Maria de Deus. Alguns anos acima dos 40. Ela se consulta há seis meses no Hospital Dr. João Machado, hospital psiquiátrico na cidade de Natal-RN. Ela deixou de dirigir desde que sofreu um acidente na estrada junto com sua família. Conversamos durante 30 minutos. Ela disse que não superou o trauma e agora conta com o acompanhamento de médicos a cada quinze dias. 

Psiquiatria não é "coisa de doido". 

Hospitais não são manicômios.

Pessoas não devem ser rotuladas: temos bocas, não códigos de barra. Nascemos para a partilha: falar e escutar. Sem pré conceitos.



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