Pular para o conteúdo principal

Púrpura

Eu deveria estar escrevendo um artigo de opinião sobre os malditos carros de som que os vereadores deste Brasil prezam tanto. Deveria colocar pra fora toda a cinza revolta de uma cidadã que é contra a poluição sonora. Que é  contra estar no shopping passeando e escutar uma música chiclete com números de candidatos cômicos. Que é contra estar em casa numa sexta-feira de manhã e escutar o remix mal feito de um funk incrível. Que é contra a moleza dos sábados de tarde.
Fui tomada pela cor púrpura em meio à revolta do cinza. Depois de uma semana como a que passou, não sei como não passei dessa para melhor. Deve ser pelas cores, que sempre salvam. Pelos azulejos, ao invés dos tijolos; pelo sol, ao invés da chuva. Até pelo café, que hoje eu não lembro de ter tomado. Fui tomada, sou energia,  purpurina e púrpura. Fui tomada, bebi café.
Talvez faça sentido sentir o gosto amargo. Que combina com silêncio. Que combina com tardes de sábado. Que não combina com sextas-feiras de manhã, pois sempre passam carros de som que passam em frente a minha porta. Todas as sextas-feiras. Mas o sorvete não passa na tarde de sábado. Coloco meus fones de ouvido, pinto mina unha e escrevo um texto para dizer que permaneço com o esmalte púrpura esperando que passe outubro. E chegue dezembro.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Voo 3087

Finalmente usei minha mochila nova. Eu estava a ponto de ir na padaria comprar pão só para poder usá-la. Mas não fui à padaria, fui ao aeroporto. Antes de entrar no saguão de embarque tive que passar pelo raio x e abandonar minha mochila. Mas não estou aqui para falar dela, mas de uma senhora bastante comum. Entrei no avião e procurei minha poltrona rezando para que não ficasse espremida entre dois lutadores de MMA. Por sorte, sentei entre uma senhora e um senhor. Inicialmente,  pensei estar separando um casal, mas depois percebi que não estavam juntos. Pois bem, a senhora, que estava na poltrona da janela, tinha um ar de vó. Isso mesmo, um ar de vó. Antes da decolagem, pegou seu terço cor de rosa e começou a rezar baixinho. Não vou negar: achei que fosse daquelas católicas chatas que reclamariam da minha calça de fundo baixo e rasgada. O avião se estabilizou no ar, e a senhora do meu lado esquerdo me perguntou se teria algum jeito de usar o celular para ficar jogando. Isso me...

Impunidade

Desperdiçam-se vidas. A morte é tolerada como mais um detalhe na grande malha colorida do carnaval. Na festa que tudo permite, as perdas são banalizadas, e os ganhos são contabilizados por beijos ou transas. A saúde se fantasia com preservativos; fronteiras entre a brincadeira e a seriedade são violadas, gerando a fragmentação dos valores éticos e sociais. Após quatorze anos de espera por um rim, uma mãe de família é privada de recebê-lo. E a causa não é a falta do órgão, mas de médicos dispostos a perderem um desfile das escolas de samba em troca de uma vida. Chamem os justiceiros. A moral foi mais uma vez corrompida. Todavia, os malfeitores não são ladrões de sucos ou de carteiras, são frequentadores de universidades, componentes da alta classe da sociedade brasileira. Os cidadãos se dizem cansados com a falta de respeito do governo. Na tentativa de curar um câncer político, mutilam órgãos e células que não passam de vítimas da doença há muito impregnada no corpo social. Os cér...

Menino da zona Sul

Maldita seja a distância Que separam as mesas de sinuca E maldita seja a constância Da nossa amizade maluca Cinco letras separam nossas identidades Mil e uma ruas insistem em nos maltratar Em meio às provas e vestibulares Paramos de nos encontrar Sinto falta das tardes sem cortes Dos elogios para com os meus shorts E do basquete nada profissional Sinto falta do sorriso bossal Dos melhores abraços fortes, e de minha sorte Quando ainda eras da zona Norte