Pular para o conteúdo principal

A culpa é de John Green

Estamos no século XXI. Tudo é aceito, e tudo é rejeitado. Uma batida única 4x4 é apreciada por jovens que deslocam seus cabelos grandes e esticados à 165 centímetros do chão, equilibradas na ponta do pé por saltos de acrílico. A indústria de bebidas alcoólicas recebe tubos de dinheiro vindos da mesada ganha pelos indivíduos cujas camisas são estampadas com jogadores de pólo, jacarés, ou até mesmo com palavras semelhantes àquelas presentes em outdoors. Alguns deles, e me refiro aos indomesticáveis viciados em redes sociais, tiveram sua primeira relação sexual quando estavam bêbados o bastante para se lembrarem a cor do cabelo da vítima alcoolizada.
Onde estão os amáveis Shakesperianos, ou os indomáveis poetas de cafeteria que escrevem seus encantos em guardanapos e guardam-os, ou compartilham-os em rodas de amizade? Amor verdadeiro é uma coisa dos livros. “Livros mudam as pessoas, e pessoas mudam o mundo”, mas se as pessoas que mudam o mundo não são mais mudadas pelos livros, em que realmente se deve acreditar quando tudo é apenas fantasia? “A fantasia ajuda a manter a realidade”, mas como se pode manter algo que se deseja mudar? Tragédias, ilusões, descontentamentos, insuficiências, doenças. É isso que se deve manter?
Estar apaixonado não é mais um estado de espírito, mas sim uma atração carnal exagerada dos tempos modernos. Conceitos mudaram, e atitudes também. Não se deve esperar o amor verdadeiro, pois ele não existe. E mesmo se existir, até que ponto a verdade é verdadeira e segura, quando a morte é aquilo que há de mais inabalável na vida?
Ilusões são publicadas em livros, biografias também. Deve-se entender até que ponto uma ficção pode ser trazida ao campo da realidade racional e cruel do mundo contemporâneo. Não se deve repudiar uma obra dramática e bela, e nem vangloriar-la por ela coincidentemente abranger suas virtudes como leitor e humano, e condensar em palavras suas patéticas percepções de mundo; não ouse ultrajar contra minha pessoa, apenas lembre-se que a cada nova experiência suas concepções são modificadas e, consequentemente, ampliadas - o que torna o perfeito em ilógico, e o emocional em racional. De qualquer modo, tudo o que é vivido não passa de uma mera brincadeira psicológica que será esquecida no fim dos tempos.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Voo 3087

Finalmente usei minha mochila nova. Eu estava a ponto de ir na padaria comprar pão só para poder usá-la. Mas não fui à padaria, fui ao aeroporto. Antes de entrar no saguão de embarque tive que passar pelo raio x e abandonar minha mochila. Mas não estou aqui para falar dela, mas de uma senhora bastante comum. Entrei no avião e procurei minha poltrona rezando para que não ficasse espremida entre dois lutadores de MMA. Por sorte, sentei entre uma senhora e um senhor. Inicialmente,  pensei estar separando um casal, mas depois percebi que não estavam juntos. Pois bem, a senhora, que estava na poltrona da janela, tinha um ar de vó. Isso mesmo, um ar de vó. Antes da decolagem, pegou seu terço cor de rosa e começou a rezar baixinho. Não vou negar: achei que fosse daquelas católicas chatas que reclamariam da minha calça de fundo baixo e rasgada. O avião se estabilizou no ar, e a senhora do meu lado esquerdo me perguntou se teria algum jeito de usar o celular para ficar jogando. Isso mesmo,

Impunidade

Desperdiçam-se vidas. A morte é tolerada como mais um detalhe na grande malha colorida do carnaval. Na festa que tudo permite, as perdas são banalizadas, e os ganhos são contabilizados por beijos ou transas. A saúde se fantasia com preservativos; fronteiras entre a brincadeira e a seriedade são violadas, gerando a fragmentação dos valores éticos e sociais. Após quatorze anos de espera por um rim, uma mãe de família é privada de recebê-lo. E a causa não é a falta do órgão, mas de médicos dispostos a perderem um desfile das escolas de samba em troca de uma vida. Chamem os justiceiros. A moral foi mais uma vez corrompida. Todavia, os malfeitores não são ladrões de sucos ou de carteiras, são frequentadores de universidades, componentes da alta classe da sociedade brasileira. Os cidadãos se dizem cansados com a falta de respeito do governo. Na tentativa de curar um câncer político, mutilam órgãos e células que não passam de vítimas da doença há muito impregnada no corpo social. Os cér

Os males existem para algum bem

Nada é, inteiramente, ruim: em um mesmo caso dois lados podem ser observados. Muitas vezes, porém, a maldade é mantida como versão exclusiva. Dessa forma, acontecimentos são julgados pelos seus desdobramentos, e não pelas suas causas. Assim, a focalização das tragédias é feita na essência: o drama. Quantas vezes sabe-se de uma enchente que prejudicou o abastecimento elétrico de uma região e o primeiro pensamento foi acerca das perdas decorrentes disso? Ou algo mais devastador: quantas vezes se observa um atentado terrorista e julga-se, instantaneamente, como um ato incomparavelmente absurdo? Todavia, deve existir outro modo de pensar. As empresas especializadas no aluguel de geradores claramente se beneficiaram com a situação; do mesmo modo que fundamentalistas comemoraram por terem defendido o nome e a imagem de seu Profeta. É sabido que nenhum ato mortal é justificável. Com base nisso, pode-se dizer que alguns limites são necessários e a tolerância deve ser fundamental. Dessa fo