Pular para o conteúdo principal

Notas de travesseiro


Falta ar. Não consigo respirar com as costas na cama. Viro-me de lado. Mudo a vista do ponto. Olho para cima: gesso, lâmpada, cortina. Acho que preciso de um novo travesseiro. 
Sim, um novo travesseiro resolveria os problemas de um corpo meio proporcional. Um novo travesseiro seria bem acomodado no espaço retangular da cama. Não, um novo travesseiro só resolveria meus problemas com o pescoço. Na verdade, acho que nem isso. 
Falta ar. Acho que todo poeta é teimoso o suficiente para ficar com as costas na cama. Duas vezes seguidas, falta ar. Viro-me de lado. Olho para dentro: acho que nosso problema não é no pescoço, mas no coração. Acho que todo poeta é teimoso o suficiente para ficar de costas para suas palavras. Nunca ama profundamente. Ama profusamente. Falta ar. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Voo 3087

Finalmente usei minha mochila nova. Eu estava a ponto de ir na padaria comprar pão só para poder usá-la. Mas não fui à padaria, fui ao aeroporto. Antes de entrar no saguão de embarque tive que passar pelo raio x e abandonar minha mochila. Mas não estou aqui para falar dela, mas de uma senhora bastante comum. Entrei no avião e procurei minha poltrona rezando para que não ficasse espremida entre dois lutadores de MMA. Por sorte, sentei entre uma senhora e um senhor. Inicialmente,  pensei estar separando um casal, mas depois percebi que não estavam juntos. Pois bem, a senhora, que estava na poltrona da janela, tinha um ar de vó. Isso mesmo, um ar de vó. Antes da decolagem, pegou seu terço cor de rosa e começou a rezar baixinho. Não vou negar: achei que fosse daquelas católicas chatas que reclamariam da minha calça de fundo baixo e rasgada. O avião se estabilizou no ar, e a senhora do meu lado esquerdo me perguntou se teria algum jeito de usar o celular para ficar jogando. Isso me...

Impunidade

Desperdiçam-se vidas. A morte é tolerada como mais um detalhe na grande malha colorida do carnaval. Na festa que tudo permite, as perdas são banalizadas, e os ganhos são contabilizados por beijos ou transas. A saúde se fantasia com preservativos; fronteiras entre a brincadeira e a seriedade são violadas, gerando a fragmentação dos valores éticos e sociais. Após quatorze anos de espera por um rim, uma mãe de família é privada de recebê-lo. E a causa não é a falta do órgão, mas de médicos dispostos a perderem um desfile das escolas de samba em troca de uma vida. Chamem os justiceiros. A moral foi mais uma vez corrompida. Todavia, os malfeitores não são ladrões de sucos ou de carteiras, são frequentadores de universidades, componentes da alta classe da sociedade brasileira. Os cidadãos se dizem cansados com a falta de respeito do governo. Na tentativa de curar um câncer político, mutilam órgãos e células que não passam de vítimas da doença há muito impregnada no corpo social. Os cér...

Menino da zona Sul

Maldita seja a distância Que separam as mesas de sinuca E maldita seja a constância Da nossa amizade maluca Cinco letras separam nossas identidades Mil e uma ruas insistem em nos maltratar Em meio às provas e vestibulares Paramos de nos encontrar Sinto falta das tardes sem cortes Dos elogios para com os meus shorts E do basquete nada profissional Sinto falta do sorriso bossal Dos melhores abraços fortes, e de minha sorte Quando ainda eras da zona Norte