Pular para o conteúdo principal

Zona de conforto

Desço vinte andares. Bom dia ao porteiro. Atravesso a rua. Dobro a esquina. Bom dia ao policial. Seu Roberto está todos os dias - exceto às segundas - lendo o jornal numa das mesas de seu restaurante. Bom dia ao senhor Roberto. Atravesso a rua. Bom dia ao lavador de carros, que sempre me esqueço do nome. Atravesso a rua. Bom dia ao dono da banca de revista - chamo-o pelo seu apelido. Dobro a direita. Bom dia ao porteiro do clube. Sigo em linha reta. Bom dia ao salva-vidas, à senhora da biblioteca e ao faxineiro. Bom dia ao porteiro do outro lado do clube.
O mesmo trajeto, as mesmas pessoas: todos os dias. Mas ainda não percorri nem metade do meu bairro. Uma dúzia de pessoas que vejo mais vezes por semana do que meus próprios parentes. A estabilidade da paisagem tornou-se quase como um retrato: imutável. As sensações são as mesmas e a constatação disso como algo conhecido é confortante. Não há chance de erro: o roteiro já foi traçado e percorrido várias vezes pela mesma pessoa.
Quando novas propostas surgem, o medo toma conta e bloqueia as opções de aderência. Tudo que se conhece transforma-se numa rocha bruta em meio às escorregadias oportunidades. Entretanto, existe a vontade pelo novo. Existe um fio de coragem que se ergue com esforço para não deslizar. Mas é sucumbido pela necessidade da inércia; pois esse é o jeito mais confortável de manter-se num pseudo estado de movimento em que não se acelera nem se retarda: falta a intenção de agir.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A intimidade

O belo está na verdades não ditas. E ao mesmo tempos ditas. Ditas sem precisar de forma. Mas precisando de sentimento, de olhar. Um olhar é descarado. Atrevido. Imprudente. Capaz de ser destruído e destrinchado apenas pela intimidade. Eu, apesar de amar as palavras, sou firme em dizer que a intimidade, uma vez construída, transforma um olhar numa poesia inteira. Numa peça de teatro. Num longa metragem. Num livro de Machado de Assis. A intimidade faz o olhar revelar se existiu ou não existiu traição de Capitu. A intimidade faz o olhar revelar o quanto de cigana oblíqua e dissimulada existe nesse mesmo olhar que procura por luzes avermelhadas em lugares escuros. Ou o quão inocente o olhar se revela quando passa pelas pontes iluminadas por luzes amarelas. A intimidade é capaz até mesmo de dizer, sem palavras, que existe inocência em olhares de cigana dissimulada. Porque se a vida é, na verdade, um Carnaval, a cigana é fantasia de criança. Ou fantasia de adulto. Ou realidade. O que...

O amor é um prédio

Cientificamente falando, não sabemos lidar com muitas opções. Não sou eu que digo, é a neurociência. O cardápio que fica à tua disposição é vasto e tu nunca escolhes. A escolha, meus queridos, se tornou privilégio. Descobri isso dia desses. Mentira, foi há uns 5 anos, quase. Mas descobri que a escolha certa tem um impacto grande. É compromisso grande. E quase ninguém tá preparado, ainda. Quase ninguém tá preparado pro privilégio que é o amor. Privilégio cheio de trabalho. Eu sempre achei que o amor fosse uma questão de humanas, mas é muito mais de exatas. Bem, eu entendi que é mais simples viver o amor quando a gente racionaliza ele.  -É o que, pô? -Calma, deixa eu explicar: tudo o que é simples dá trabalho. Já fizesse um slogan? Dá um trabalho do caralho colocar 3 palavras numa frase e o resultado ficar espetacular. É simples, e deu um trabalho danado. -Fazer slogan é complexo e você sabe disso. -Dá trabalho, mas o resultado é simples. Foque no resultado. O fato é que ninguém acei...

Baila!

Sobre o aprendizado: aprendi que a gente vai sempre aprendendo. No gerúndio mesmo. Com um verbo de ação mesmo. Com repetição mesmo. A gente vai se fazendo, vai se construindo, vai se quebrando e vai se reconstruindo. A gente toma um sorvete pra passar a dor de dente, e deixa de tomar sorvete por causa da dor de garganta. A gente tenta achar uma fórmula para a vida mas, na verdade, a vida é um tubo de ensaio: tudo é experimentação. Estou descobrindo histórias de pessoas comuns. Tempinhos atrás eu gostaria de expor essas vidas incríveis numa tela de TV. Ou num programa de rádio. Ou num post na internet. Ou num instories. Hoje eu só quero guardá-las num potinho. Daqueles coloridos e brilhantes que enfeitam prateleiras. Entendi que pessoas que brilham me dão brilho - e eu sempre gostei de uma purpurina. É feliz ser cintilante. Resplandecente como o sol das 9h da manhã. A madrugada é interessante, de verdade. Mas você já saiu de casa às 8h? É incrível. É luzente. É brilhante. Já saiu de c...