Pular para o conteúdo principal

Modernidade escravocrata



Chicoteadas no pelourinho do senhor Tempo, as pessoas tentam lembrar o dia em que perderam sua liberdade. Sucumbidas pela imensidão das futilidades, buscam preencher seus horários em troca de momentos emocionantes. Enquanto vivem na espera da alforria, morrem a cada minuto passado.
Mil e uma obras são atribuídas para um ínfimo dia. A mente trabalha e os músculos tencionam. Carrascos saudáveis e milimetricamente torneados gritam durante vinte e quatro horas: “Compre!”, “Malhe!”, “Use!”. A carne é fraca, o cérebro não suporta tanta pressão. É preciso não enlouquecer.
Na tentativa de extravasar sentimentos reprimidos, valorizam a perda de si próprios para ganharem aquilo que é aceito. E sem raciocinar a efemeridade do conforto que lhe será concedido, são cada vez mais hipnotizados por promessas apaixonantes e irreais, feitas por colonos que se aproveitam para tomar posse da terra mais preciosa: a essência do ser.
Vende-se a alma por um emprego que propicie um bom status, ou simplesmente um salário. Burgueses possuidores de capital são subjugados pelo modelo econômico e social que criaram. Sentem-se exauridos pela mordaça que os impede de expor divergências para com o sistema, e fazem da vida uma eterna corrida pelo “mais”, pois não se sentem preenchidos com o necessário, o suficiente.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Voo 3087

Finalmente usei minha mochila nova. Eu estava a ponto de ir na padaria comprar pão só para poder usá-la. Mas não fui à padaria, fui ao aeroporto. Antes de entrar no saguão de embarque tive que passar pelo raio x e abandonar minha mochila. Mas não estou aqui para falar dela, mas de uma senhora bastante comum. Entrei no avião e procurei minha poltrona rezando para que não ficasse espremida entre dois lutadores de MMA. Por sorte, sentei entre uma senhora e um senhor. Inicialmente,  pensei estar separando um casal, mas depois percebi que não estavam juntos. Pois bem, a senhora, que estava na poltrona da janela, tinha um ar de vó. Isso mesmo, um ar de vó. Antes da decolagem, pegou seu terço cor de rosa e começou a rezar baixinho. Não vou negar: achei que fosse daquelas católicas chatas que reclamariam da minha calça de fundo baixo e rasgada. O avião se estabilizou no ar, e a senhora do meu lado esquerdo me perguntou se teria algum jeito de usar o celular para ficar jogando. Isso me...

Impunidade

Desperdiçam-se vidas. A morte é tolerada como mais um detalhe na grande malha colorida do carnaval. Na festa que tudo permite, as perdas são banalizadas, e os ganhos são contabilizados por beijos ou transas. A saúde se fantasia com preservativos; fronteiras entre a brincadeira e a seriedade são violadas, gerando a fragmentação dos valores éticos e sociais. Após quatorze anos de espera por um rim, uma mãe de família é privada de recebê-lo. E a causa não é a falta do órgão, mas de médicos dispostos a perderem um desfile das escolas de samba em troca de uma vida. Chamem os justiceiros. A moral foi mais uma vez corrompida. Todavia, os malfeitores não são ladrões de sucos ou de carteiras, são frequentadores de universidades, componentes da alta classe da sociedade brasileira. Os cidadãos se dizem cansados com a falta de respeito do governo. Na tentativa de curar um câncer político, mutilam órgãos e células que não passam de vítimas da doença há muito impregnada no corpo social. Os cér...

Menino da zona Sul

Maldita seja a distância Que separam as mesas de sinuca E maldita seja a constância Da nossa amizade maluca Cinco letras separam nossas identidades Mil e uma ruas insistem em nos maltratar Em meio às provas e vestibulares Paramos de nos encontrar Sinto falta das tardes sem cortes Dos elogios para com os meus shorts E do basquete nada profissional Sinto falta do sorriso bossal Dos melhores abraços fortes, e de minha sorte Quando ainda eras da zona Norte