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Mostrando postagens de março, 2014

Sessenta e cinco por cento

Queimaram minha saia Uma burca me vestiram Vetaram minha ida  à  praia Dos meus direitos desistiram Queimaram minha liberdade Me reduziram  à  uma veste Os que falam de igualdade Me veem como uma peste De objeto  já  fui chamada E agora sou tratada Como uma boneca infl á vel: U tilizável... Desrespeitada, surrada, insana H á muito   não me considero  humana.

E então...

...cheguei. Não saindo do lugar, cheguei onde há muito eu não chegava. Cheguei e recostei a cabeça na janela entreaberta. Lembro-me agora do gosto de chocolate com pistache, e me sinto satisfeita por ainda ter um desses na bolsa. Cheguei. Não vim de nenhum lugar, apenas cheguei. Cheguei e senti o quanto eu gosto daqui, e o quanto eu me afastei daqui... Mas enfim cheguei. Cheguei às sístoles e diástoles dos meus átrios e ventrículos, às respirações e inspirações dos meus pulmões. Senti falta das rimas. Cheguei. Não a um local, mas em uma pessoa. Cheguei sem me importar com as métricas, com as interpretações ou com os sentimentos. Cheguei porque sem chegar eu não seria, e sem ser, eu não existiria. A paz está me acompanhando. Perdão, acho que o amor também. E assim que ele chegou aqui, eu também cheguei a mim.

Menino da zona Sul

Maldita seja a distância Que separam as mesas de sinuca E maldita seja a constância Da nossa amizade maluca Cinco letras separam nossas identidades Mil e uma ruas insistem em nos maltratar Em meio às provas e vestibulares Paramos de nos encontrar Sinto falta das tardes sem cortes Dos elogios para com os meus shorts E do basquete nada profissional Sinto falta do sorriso bossal Dos melhores abraços fortes, e de minha sorte Quando ainda eras da zona Norte

Sobre Ela

Ela está em meio a dois blocos de carnaval. Ruas coloridas, enfeitadas, cheias de vida. A multidão se aglomera em seu entorno, e sua felicidade parece com aquela sentida por crianças ao ganharem brinquedos ao invés de roupas no aniversário. Mas ela tem quase dezesseis anos, e mesmo que desconsidere o ganho de presentes, faz questão de ser lembrada de alguma forma. Ao final da rua, avista uma bifurcação. Esquerda ou direita? Eis a questão. "Rimas", pensa ela, "foram feitas para embelezar momentos embriagados de mesmices". Os foliões começam a se dividir, e ela se vê angustiada ao ter que escolher entre duas coisas tão parecidas. Mas o sentimento é passageiro, e ela escolhe o caminho por onde o menino mais bonito segue. Em um insight conteudista e desnecessário, ela imagina a quantidade de pessoas que estão realizando movimentos peristálticos nesse exato momento. E isso a deixa com fome. Ao final da rua, seja por intervenção divina, ou simplesmente sorte, ela se

Impunidade

Desperdiçam-se vidas. A morte é tolerada como mais um detalhe na grande malha colorida do carnaval. Na festa que tudo permite, as perdas são banalizadas, e os ganhos são contabilizados por beijos ou transas. A saúde se fantasia com preservativos; fronteiras entre a brincadeira e a seriedade são violadas, gerando a fragmentação dos valores éticos e sociais. Após quatorze anos de espera por um rim, uma mãe de família é privada de recebê-lo. E a causa não é a falta do órgão, mas de médicos dispostos a perderem um desfile das escolas de samba em troca de uma vida. Chamem os justiceiros. A moral foi mais uma vez corrompida. Todavia, os malfeitores não são ladrões de sucos ou de carteiras, são frequentadores de universidades, componentes da alta classe da sociedade brasileira. Os cidadãos se dizem cansados com a falta de respeito do governo. Na tentativa de curar um câncer político, mutilam órgãos e células que não passam de vítimas da doença há muito impregnada no corpo social. Os cér

Angústia

Estou agonizando. Já não sei pronunciar mais nenhuma palavra. O ar some dos meus pulmões e sou sufocada por verbos não ditos. Minha massa cinzenta está enfeitada com luzes estroboscópicas, e meu coração morreu de falência múltipla de ódios. Quero continuar a viver, mas a emoção se desvaneceu em cálculos matemáticos. Maldita seja a razão, a inspiração e as rimas. E bendito seja aquele que ontem segurou minha mão. Estou com medo. Medo do nada dar certo, e de escrever mais de um que nesse parágrafo. Estou aprisionada na primeira pessoa do singular. Estou com medo. Medo de não ser suficiente, medo de ser transbordante. Medo de nunca mais escutar as vassourinhas . Mas tento não sofrer. E tenho medo de tentar não sofrer, de terminar e não sentir. Angústia sinto eu ao ter dificuldade em escrever mais uma linha. Perdoem-me. Perdoem-me pelos meus casos, descasos, repetições e melancolias. A instabilidade adolescente leva a isso: a visão perfeita de um ser imperfeito que nem a si próprio c